
Não resistia mais. Dizia de si para si: "Eu avisei e se ele não me acreditou, bem feito". Passaram a se encontrar num apartamento, em Copacabana. Era um amor sem felicidade. Em meio dos beijos mortais, ele esbravejava: "Eu sou o último dos homens e tu és as última das mulheres!" Esta grandiloquencia aplacava, um pouco, o seu remorso.
Quanto a ela, tinha um estremecimento de volúpia ao ser chamada "a última das mulheres". Pedia mesmo: "Diz desaforo! Diz!" Até que, um dia, Orozimbo vai procurá-lo no escritório. foi sóbrio e definitivo: "Eu sei de tudo. E não a mato, sabes por quê? Porque a mãe dos meus fihos é sagrada." Lívido, Euzébio ergue-se; disse: "Estou às suas ordens". E o outro, firme: "Também não te mato, porque seria atingir a mãe dos meus filhos". Baixou a voz, cordial:
- Mas olha: eu não sou o único traído; tu também o és. - pausa e acrescenta: - Ela me trai contigo e a ti, com o Linhares. Percebeste?...
Retirou-se, vingado. Então, sozinho, no corredor, Euzébio caiu de joelhos. Com o rosto mergulhado nas duas mãos, soluçava como uma criança.
A antologia de Nelson Rodrigues com os contos de "A vida como ela é" me chegou às mãos por Andréa e Juneldo, como presente de aniversário. O trecho acima está no conto "Infidelidade" - tema mais que recorrente na obra de Nelson Rodrigues, bem como inveja, desejo, ciúme, obsessão, dilemas morais diversos. Sempre atuais, apesar das cores de época, os textos podem ser lidos ao acaso. Um alerta: o autor não agrada a todos. Há aqueles que o acham repetitivo e outros que não suportam a temática abordada em seus textos - sai caro demais ao coração ou à consciência... É ler para saber - ou não!




